sábado, 12 de janeiro de 2019

os vasos sanguíneos do seu cérebro conseguiriam, por sua extensão, abraçar a Terra 4 vezes, mas seus braços permanecem incapazes de, às duas da tarde da manhã de domingo, envolver meu corpo suplicante pelo seu toque.

quando mercúrio for engolido pelo sol eu vou chorar

Veio rápido, certo.
- Eu mandaria devolver - você disse.
E aquilo doeu porque sabíamos que era uma metáfora pro meu coração. O livro, apenas metáfora. Ainda não assim não foi inesperado.
O que mais ele poderia ter dito quando falei que enviaria um livro como um presente?, pensei.
'Vou enviar uma parte de mim, uma parte de mim para você. Aceita-a. Carregue-a consigo.', foi o que pareceu. E nós soubemos.
O 'Não quero' veio antes do 'Eu mandaria devolver', e nesse momento o que você quis dizer foi 'Eu não te quero em parte alguma. Simplesmente leve isso pra longe de mim, pra onde meus olhos não possam alcançar. Tire-o daqui.'
Não foi a primeira, mas eu jurei, com uma certeza ferida e cega, que seria a última rejeição.
Você poderia enfiar agulhas debaixo das minhas unhas ininterruptamente se eu não nutrisse esse grande desespero por sobreviver. Ceder significaria perder a sensibilidade em algum momento e deixar de sentir.
Dor, devoção pela dor, não importa.
Perder minha resistência a ela seria sinônimo de amortecimento.
E não havia nada que eu quisesse amortecer além das palavras que caíram no meu colo com o peso de Plutão. Eu nunca quis os dejetos da sua garganta amarga orbitando a mim, mas não destruí-los quando os vi penetrar minha atmosfera já quase ausente, tão rarefeita quanto a de qualquer outro planeta miserável, bombardeando tudo, desde de o meu solo até meu núcleo.
Você é o arranhado no rosto que cobrimos com curativo a fim de evitarmos olhares, sem saber que é assim eles se tornam mais evidentes.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

nietzsche descreveu amor-fati como amor ao destino, aos milagres e às desgraças, ao que te destrói e ao que te sustenta.
eu também tento, não sem esforços, amar teu corpo descompromissado sem a mágoa do ontem.
eu tento amar. eu tento te amar através do "não" existente pra nossa história em meio ao "sim" dos nossos toques.
quando eu me coloco nua e você, gentilmente, se encaixa entre as minhas pernas, eu digo sim.
eu digo sim pra tua distância amarga sazonal, pro seu pau duro na minha boca, pro seu ressonar pesado ao meu lado, pro teu silêncio que por vezes me fere, pra tua carne macia e pra quando você se afoga em mim buscando um cais. eu digo sim, sim, sim, sim. eu tento te ser terra firme mesmo que eu me debata nas suas águas revoltas e elas me puxem ainda mais pra baixo, apesar do meu desespero mudo por ar.
caminhamos em contagem regressiva pra tessitura final e eu quero segurar sua mão pra ter firmeza nos passos seguintes. hoje e amanhã ainda serão tormentas. mas, uma hora a tempestade se fecha, as nuvens se abrem e eu consigo voltar a existir.
sem você.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

- parece que tá amanhecendo agora.
- mas ainda é noite.
- eu sei. mas, os tons agora são do amanhecer.
- gosto da noite.
- aprendi a gostar dos meios termos. o amanhecer, crepúsculo: são equilíbrios do céu. e equilíbrios são raros.
- e não duram muito.
- não. acaba-se sempre pendendo pra um lado ou pra outro.
- é assim com você?
- e não é com todos nós?
- talvez. mas, algumas pessoas são púrpura sem resquício algum de amarelo.
- em qual você se encaixa?
- azul índigo.
- acho que...
- púrpura. você é sempre púrpura. sem resquício algum de amarelo. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

a dor é o câncer que silenciosamente ataca suas células de defesa e te faz frágil por algo que não se pode ver sem ser olhado muito de perto. e falta coragem pra buscar o núcleo de onde irradia o cinza que devora suas terminações cerebrais, embora, gradativamente, você enxergue cada vez mais em preto e branco e passe a esbarrar nas quinas dos móveis pois tudo é turvo, liquefeito e tua visão não mais consegue discernir o que será nocivo pro teu corpo.
eu escuto o gotejar lancinante dos segundos que se arrastam sob minha pele e tento não pensar nos efeitos que o tempo causa em mim. se as horas e os anos passassem de forma regressiva, talvez eu pudesse voltar no exato instante em que o primeiro espasmo doloroso atingiu meu peito como um caminhão a 100km por hora colidindo com um poste.
eu não posso me salvar de mim, mas o riso que você me provoca faz com que minha autodestruição aconteça em câmera lenta, e eu quase volto a ter fé no amanhã. então a tristeza é quase leve quando nos imagino cruzando a ponte da tua cidade que achei tão bonita, com todas aquelas luzes pairando no teu rosto jovem, te deixando sobrenatural: mais um respiro pras sinapses cheias de lamentos do meu cérebro castigado.
hoje a cidade amanheceu tão cansada que me senti intrusa num mundo que não pertenço, embora habite, e quis, por longas inspirações e expirações, reclinar minha cabeça nos teus pulsos e me deixar ficar. você me aceitaria se eu dissesse que o degradê branco-cinza-preto-branco em mim quase se alaranja quando te vejo chegar?
não existe clemência pra minha carne cansada ou pra minha resignação muda, mas existe tua voz: grito de cessar fogo pra guerra milenar que se instaurou em mim.
então sou quase trégua.



sábado, 26 de novembro de 2016

a mecânica quântica diz que o toque é uma ilusão criada pelo cérebro, pois nada no universo pode verdadeiramente ser tocado devido a repulsão dos elétrons. é uma ilusão quando a mãe beija pela primeira vez a bochecha do recém-nascido, quando o rosto de alguém que partiu é acariciado por alguém, quando meu corpo abraçou o teu todas as vezes. tudo se repele, nada se toca. jamais consegui te alcançar sem esforço, sem sentir como se tivesse corrido mil milhas ao me aproximar. hoje eu finalmente entendo o porquê. mesmo que a dois palmos do seu rosto, poucas vezes te vi de perto. em nenhuma delas te toquei. nem todas as distâncias são geográficas, penso agora sabendo que, mesmo que tua pele pareça macia nas pontas dos meus dedos e os fios da sua barba façam meu nariz coçar, uma pequena distância inimaginável nos separa. e eu não posso chegar mais perto.
2:00am: rota destrutiva no meu córtex pré-frontal.
3:00am: tua língua contornou meu palato e eu não sabia em qual direção o sol se pôs aquela tarde.
afundar meus dedos na tua nuca foi como afundar na areia macia do saara: quente, fugaz, paralisante. corri minha saliva pela tua coluna pra me marcar na sua estrutura e fazer parte dos teus escombros quando a implosão viesse.
decido não chorar tua ânsia por ir embora e aceito o fim inescapável pra odisséia dos nossos dias: teu corpo ressonando ao lado do meu, mas à milhas dos meus pensamentos. não torço os dedos pra conter a vontade de te afagar no meio da noite e já nem agonizo te querendo invadindo minha carne. não sentir por nós é mais doloroso do que todos os meus choros te pedindo pra ficar.
eu já não quero mais estar aqui, mas aceito tua presença como aquele cão aceita, não sem dor, mas também com heroísmo, a sarna devorando sua pele.
sobrevivo a você e ao silêncio cru que se instalou entre nós. não tenho mais nada a dizer, embora queira gritar no teu ouvido que sua frieza não é tão implacável quanto a que eu carrego agora, porque teu toque não mais habita meu sexo, assim como não habitou meu gozo.
eu, que nunca imaginei te olhar e não nos reconhecer nos teus olhos pequenos, não te reconheço em mim. e isso, meu bem, foi o mais silencioso grito de guerra que meu coração emitiu desde que te deixei entrar.
agora eu sou paz.